Tudo começou quando Abencadão foi a Mier, "em Salvaterra", e lá, encantado da sua beleza e enquanto o Rei Ramiro andava de caçadas pelas Astúrias , raptou a rainha e trouxe-a para Gaia. Quando o Rei Ramiro voltou a casa, depois de comer, perguntou pela sua mulher. Disseram-lhe da verdade amarga. Triste e enraivecido, Dom Ramiro chamou o filho Ordonho, mandou-lhe aparelhar as caravelas que havia, com homens de seu mando e todos juntos, fizeram-se ao mar com raiva e valentia. Entraram pela barra do Douro e, pela calada da noite, combinaram acoitar nas margens do rio, debaixo dos salgueros e por entre as ervas enquanto o seu rei, entretanto disfarçado de mouro, roto e esfarrapado, se aproximava do paço de Mahamude. Quedaram-se os guerreiros escondidos á espera daquele sinal de corno que o rei a quem deviam obediência, iria de certeza tocar repetidamente, a convocá-los para a refrega.
Enquanto isso, o rei Ramiro postou-se inanimado á beira da fonte do Palácio, mais morto que vivo, "doente e lazarádo", simulando que nem á bica da água conseguia chegar.
Aproximou-se então a escrava Ortiga, ligeira e bela, com o cântaro com que havia de levar a água fresca da nascente, para os asseios da rainha.
Tudo isto se passava na ausência de Abencadão, que, tal como Ramiro na sua terra, também tinha ido nas suas caçadas para longe do palácio ( que conveniente).
Ramiro pediu um pouco de água por amor a Deus a Ortiga, e quando esta lhe estendeu o cântaro sem que se visse, meteu-lhe dentro o anel com que selara os amores com a rainha Alda, que era esse o seu nome verdadeiro.
Quando a rainha bebeu do cântaro e ia a refrescar o rosto, ouviu tinlintar o anel que logo ali foi reconhecido, lhe trouxe á memória os compromissos conjugais que já esquecera nos braços fogos do bem querido Abencadão (que a-bem-lhe-dava).
Ortiga teve que ir em busca do falso mouro, porque a sua senhora o exigia imediatamente.
Chegou Ramiro junto da rainha sua mulher e logo esta lhe atirou: -Rei Ramiro quem te aduse aqui?
- Cá o teu amor!
E ela lhe respondeu:
-Cá vieste tu a morrer!
E ele lhe respondeu:
-Que pequena maravilha!
A rainha chamou de imediato a covilheira, e logo ali lhe ordenou que o metesse numa câmara sem comer, coisa que a covilheira não cumpriu.
Chegado que foi o rei Abencadão, pela tardinha, cansado e cheio de fome, nada mais fez que comer e beber, antes que se aproximasse da alcova da rainha para aquelas coisas que comprometem um homem e uma mulher ( de uma forma subtil o escritor queria dizer "fornicar"). Já calmos e tranquilos (e suados, suponho ;P), perguntou-lhe a rainha de sopetão: -Se tu tivesses aqui o Rei Ramiro que lhe farias?
- Mandava-o matar, que era coisa que ele me faria.
Trazido o prisioneiro, Abencadão admira-se e num acesso de fúria grita-lhe:
-A que viste aqui?
-Vim ver a minha mulher que me filhaste a torto: cá tu havias comigo tréguas, e nem me catava de ti- respondeu o rei.
Nisto, o rei mouro, não sabendo como agir, perguntou a D.Ramiro:
-Tu vieste aqui a morrer. O que me farias amim se eu estive em Mier no teu palácio? Que morte me darias?
- Abria as portas do meu curral e faria chamar toda as minhas gentes, que viessem ver como morrias, e faria-te subir a um padrão, de onde tangerias o corno até ficares sem fôlego...
E assim foi feito. O Rei Ramiro trepou a um poste e aí tangeu fortemente o corno, que era o sinal que os seus esperavam acoitados na margem do Douro. Mal ouviram aquele som, acudiram os vassalos comandados por seu filho Ordonho.Do Palácio não ficou pedra sobre pedra. Abencadão não teve por onde escapar e Ramiro, reuniu toda a criadagem, não se esqueceu de Ortiga nem das riquezas em ouro que ela própria ensinou onde estava. Carregaram tudo nas caravelas e rumaram pela foz do Douro. Ia já alto o dia, mas ainda tiveram tempo de chegar á foz de um outro rio, onde se puseram a descansar. Descançava o rei no regaço daquela que já fora sua mulher e o muito cansaço vê-lo adormecer. Aproveitou a rainha para entre lembranças do seu mouro querido, chorar copiosamente as saudades que tinha. As lágrimas e os soluçoes á mistura acordaram de sobressalto o rei.
- Porque choras, minha esposa?
- Choro pelo mui bom mouro que mataste!
E então o filho disse ao pai, mal ouviu aquela confissão da mãe tomada pelo Demo:
- Padre, não levemos mais connosco essa filha do Diabo...
Então o Rei Ramiro filhou uma mó que trazia na nave e ligou-lhe na garganta e ancorou-a no mar, naquele lugar, e para que lá ficasse para sempre. Ainda hoje, aquela foz do rio onde tudo isto aconteceu, se diz Foz d'Âncora.
De volta a Mier, D. Ramiro foi-se a Léon e fez aí as suas cortes... Alegando aos seus todas as maldades da Rainha Alda e que haveria por bem mandar baptizar Ortiga para que, com a benção de Deus, assim se casassem... E eles todos, a uma voz louvaram a grande virtude do rei Ramiro e houveram por bem aquelas núpcias com D. Aladar, que foi esse nome dado em baptismo á moura Ortiga.
22 junho, 2009
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