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17 setembro, 2009

Noção de morte na criança com doença crónica grave

Nas doenças graves, em que o prognóstico vital se encontra em jogo surge de forma mais ou menos visível a problemática da morte; naquelas doenças graves de longa duração e mais ou menos invalidantes surgem questões relacionadas à integridade corporal e narcísica (em conjunto com o medo e o abandono).
Ajuriaguerra & Marcelli (1984) realçam o duplo problema face a uma doença grave e crónica: o do investimento pela criança de um corpo cujo funcionamento é sentido como defeituoso ou ameaçado e o do investimento de uma criança doente pelos pais.
Segundo Otto Weininger (1996), o ego imaturo da criança não é capaz de se desenvolver convenientemente quando sujeito a uma situação de angústia constante derivada de uma doença grave. Considera ainda como muito difícil, nestas circunstâncias, o emergir das condições necessárias para a diferenciação entre o ego e o mundo externo (normalmente a mãe).
O período inicial da doança origina alterações bruscas e intensas no equilíbrio familiar, alterações essas que passam quase invariavelmente pelo choque, abatimento e prostração dos pais. Depois virá a luta contra a doença -  através do recurso à negação e recusa da doença ou de colaboração com o médico. Por fim, surge uma reorganização da economia familiar em torno da doença ( A & M, 1984).
As reacções da criança diante da sua própria doença dependem da idade e da compreensão que a criança tem da mesma. A criança submetida aos efeitos e consequências de uma doença grave pode adquirir uma compreensão já muito madura da doença e da morte numa idade precoce em relação à criança saudável.

Percepção da doença na criança

A doença constitui um episódio inevitável na vida do ser humano. Na criança, esse tema encontra-se desde muito cedo enraizado nas fantasia e nas actividades espontâneas, como o 'brincar aos médicos'. Uma das atitudes mais frequentes na criança doente é a de se culpar a si própria e verem-na como uma punição. Para isso contribui o hábito de os pais admoestarem os filhos sob a forma de um desfile de consequências para os seus actos mais irreflectidos.

Outra ideia frequente é a do contágio como explicação para a doença. Os conceitos sobre a doença variam de acordo com o grau de diferenciação entre o Eu e o outro (Walsh, 1981):
 - Explicações pré-lógicas: entre os 2 e os 6 anos de idade as explicações são imaturas, em termos de desenvolvimento. A maior parte dão as chamadas explicações fenomenistas - a causa da doença é vista como um fenómeno concreto externo, espacio e temporalmente remoto. As crianças não conseguem explicar como estes factos causam as doenças. A expliacação mais comum é, no entanto, a do contágio pela proximidade ou magia.
 - Explicações lógicas concretas: entre os 7 e os 10 anos de idade as expliacações já surgem num contexto de aumento da capacidade de diferenciação entre o Eu e o Outro, pelo que existe já a capacidade de distinguir claramente entre o Interno e o Externo. A Internalização é a forma mais madura de entender a doença - percebida como estando dentro do corpo, podendo a causa ser externa. No entanto, a doença é ainda vista como algo vago e inespecífico.
 - Explicações lógico-formais: são consideradas 2 sub-estádios na explicação da causa da doença - o fisiológico e o psicofisiológico. Ambos se caracterizam por uma clara distinçao entre o Outro e o Eu. As crianças mais novas dão uma explicação mais fisiológica interna da causa da doença. Crianças mais maduras apresentam explicações psicofisiológicas, ou seja, tornam-se conscientes da possibilidade de os pensamentos ou os sentimentos poderem afectar o funcionamento do corpo.

Segundo Ajuriaguerra e Marcelli (1984), a experiência da doença remete a criança a movimentos psicoafectivo diversos:
- regressão
-sofrimento
-investimento conflituoso do esquema corporal ou do 'sentimento de si'
-morte

16 setembro, 2009

O conceito de morte na criança

Formulação gradual do conceito de morte pela mente de uma criança (Coimbra de Matos, 1997):
1. aos 3 anos de idade: a morte é concebida de forma violenta. A morte por doença, privação alimentar ou envelhecimento é desconhecida; apenas aquela que pode ser infligida é vagamente concebida.
2. 4-6 anos de idade: medos relacionados à rivalidade edipiana, a par dos anteriores orais e anais aqui actualizados. Estes são, porém, mitigados ou anulados pelo sentimento de protecção e cuidado que a criança retira do seu relacionamento com os pais. Aparece a angústia de castração no seu sentido simbólico sob a forma de um ferimento ou da perda de uma parte do corpo. Nesta etapa do seu desenvolvimento, a criança receia a morte dos pais mais do que a sua própria morte. O medo inerente é aqui o do desaparecimento do amparo e protecção que lhe permitem a sensação de omnipotência. A morte é aqui concebida como um acontecimento transitório, portanto, reversível.
3. 7-8 anos de idade: a criança começa a preocupar-se verdadeiramente com a sua morte. Surge a noção de morte por doença ou velhice. As angústias de redução ao nada, do perder-se pelo espaço sideral, de dissolução, de queda num abismo sem fundo são substituídas por representações concretas (cemitérios, túmulos) e personificações ( esqueletos, uma velha com uma foice, o 'anjo da morte'). Apesar de conhecer já a doença,não lhe atribui ainda um possível carácter fatal. Surge a noção de irreversibilidade.
4. 9-10 anos de idade: a criança deixa de atribuir de forma tão omnipotente características mágicas protectoras a si ou aos outros. Assim, a anisiedade face a uma doença grave é agora mais dificilmente reduzida. Surge um novo tipo de ansiedade - a angústia existencial; elaborada por importantíssimas discussões e reflexões de ordem psicológica,social,filosófica, religiosa e ética. A morte é agora percebida como um facto definitivo, irreversível e inevitável.
Considera-se como resolução mais adaptada da mortalidade biológica aquela que passa pela aquisiçãi de noção de imortalidade simbólica: a importância da descendência, das obras culturais, do facto de ficarmos para sempre na memória dos outros, etc. O contrário pode passar por sentimentos de exclusão e de abandono, que reforçam a angústia de morte.
A este respeito, Aberastury (1978) defende a utilização de um importante 'instrumento' de manejo da angústia de morte: a verdade. Propõe  que falar sobre esse tema não cria nem aumenta a dor que lhe é inerente; antes alivia e ajuda a elaborar a perda. Aberastury acredita que existem verdades muito difíceis de aceitar para um adulto e que, ao mentir, este estará a delegar na criança essa responsabilidade; para além de poder provocar uma inibição do impulso epistemofílico. Segundo a autora, versões supostamente facilitadoras de elaboração, como a do céu, entravam todo o processo de conhecimento da criança. A um nível mais extremo, o ocultamento da morte de alguém significativo pode acarretar transtornos desenvolvimentais e perturbar o vínculo da criança com o mundo adulto. Até porque qualquer pessoa terá a possibilidade de recorrer dos seus próprios mecanismos de defesa para lidar com o tema: negação, repressão, intelectualização, deslocamento (Kóvacs, 1992).

15 setembro, 2009

Noção de Morte e Angústia

O medo de morrer é universal, e todos os medos que temos se relacionam, de alguma forma, com ele. A morte é considerada sob duas concepções (Kastenbaum, 1983):

1. A morte do outro; que se relaciona com o medo do abandono e envolve a consciência da ausência e da separação.
2. A própria morte que se relaciona com a consciência da própria finitude, fantasias sobre o fim e sobre quando ocorrerá.

Os temores da criança sobre a morte são geralmente expressos como fima de vida, perda de movimento, sensação física ou moral desagradável, perda do brilho e do vigor, ser esquecido.

A representação de um tempo futuro é exclusiva do Homem e assenta em bases anatomo-fisiológicas e psicológicas. Estas últimas, por sua vez, apoiam-se no desenvolvimento da função simbólica - ou seja, na capacidade de representação por símbolos; e no desenvolvimento da actividade reflexiva - a capacidaade de pensar sobre as experiências vividas (Coimbra de Matos, 1997). Essa função simbólica - a níveis profundos - representará sempre, em última análise, os fenómenos de nascimento, vida e morte (Segal, 1991).
Quanto muito, poderemos considerar que a criança pequena terá um conhecimento instintivo (biológico) da morte - similar ao dos animais que evitam naturalmente o perigo, "conhecendo-a" como uma morte-agressão, morte-perigo ou morte-inimiga (Morin, 1970). Aliás, a imobilização reflexa face ao perigo passa transversalmente por várias espécies. Este 'afastar da morte' pela imitação da mesma pode considerar-se um "refinamento de auto-defesa", sendo que traduz uma reacção 'inteligente' à morte (Morin, 1970).

14 setembro, 2009

Luto

O luto infantil pode ser, apesar de em muitos aspectos idêntico ao de um adukto, bastante específico. Ele é frequentemente considerado como um factor de vulnerabilidade para distúrbios psicológicos futuros (Bromberg, 1996).
Apesar de a consciência da morte começar a surgir desde cedo, ela nem sempre é fácil de detectar. Expressa-se com o recurso à linguagem própria da criança, que inclui de forma marcada aspectos lúdicos e gráficos, ou mesmo sintomáticos.
O jogo, por exemplo, é utilizado não apenas com valor de comunicação, descarga e dramatização de fantasias inconscientes relacionadas à sua ansiedade, mas ainda como uma tentativa de elaborar a ansiedade, de dominar de forma mágica (Grinberg,1963).
Bowlby faz referência às variaáveis que influenciam o processo de luto da criança e do adolescente. Mesmo que possamos identificar nessas variáveis a forma como qualquer adulto vivencia os seus prórpios estados de luto, convém ter presente o facto de no universo infantil existir uma maior sensibilidade às condições que precedem, cercam e seguem uma perda significativa (Bromberg, 1996).
Essas variáveis são (Bowlby, 1981):
-causas e circunstâncias da perda
-padrão das relações familiares após a perda
-padrões de relacionamentos anteriores à perda
Ainda segundo Bowlby (1981), pode-se identificar alguns traços de lutos patológicos em crianças com:
-ansiedade persistente (com medo de outras perdas ou medo de morrer)
-esperança de se reunir com o morto (expressa pelo desejo de morrer ou por comportamentos de risco)
-culpa persistente
-hiperactividade (com passagens ao acto agressivas e destrutivas)
-cuidados zelosos e compulsivos por outras pessoas
-sintomas de identificação ( queixas de saúde semelhantes às do morto).

Noção de morte e desenvolvimento cognitivo

Num estudo de Koocher (1974) surge uma relação hipotética entre o desenvolvimento cognitivo e as atitudes perante a morte: no nível 1, ligados ao período pré-operacional surgem raciocínios fantasiosos e mágicos (raciocínio egocêntrico); no nível 2, ligados ao período das operações concretas surgem pensamentos sobre formas de infligir a morte e no nível 3, ligados ao período das operações formais surgem explicações mais abstractas, com ideias de deterioração física, nomeação de causas, o reconhecimento da morte como fenómeno natural. é ainda observado por este autor que crianças que tiveram contacto directo com situações que envolveram a morte aoresentam uma melhor elaboração do seu conceito.

Torres (1979) estudou mais profundamente a relação entre o desenvolvimento cognitivo (Piaget) e a evolução do conceito de morte, segundo três dimensões: extensão, duração e significado.

-Período pré-opercional: não é feita qualquer distinção entre seres inanimados e animados. As crianças não negam a more, mas é-hes difícil separá-la da vida. Não percebem a morte como finita e irreversível.

-Período das operações concretas: as crianças distinguem entre seres inanimados e animados. Não dão respostas lógico-categoriais de causalidade da morte. Procuram aspectos preceptivos como a imobilidade para a definir. Já é percebida como irreversível.

-Período das operações formais: reconhecem a morte como um processo interno, que implica uma paragem nas actividades do corpo. Percebem-na como universal. Podem já dar respostas lógico-categoriais de causalidade. A morte é definida como parte da vida.

Imagem de Gustav Klimt, "Morte e vida" (1916)

09 setembro, 2009

A noção de morte na criança

A noção de morte adquire-se de forma progressiva e não é possível situá-la cronologicamente de forma precisa. As experiencias de vida da criança são, para este aspecto, fundamentais; já que tem sido possível observar essa aquisição naquelas que foram confrontadas com a morte (no seu meio ou quando, elas próprias, são afectadas devido a doença grave ou crónica) (Golse, 1985).

A aquisição do conceito de morte admite assim, segundo Golse, uma vertente afectiva e outra intelectual.
Intelectualmente são adquiridas várias noções de forma sucessiva:

1. irreversibilidade (noção de “nunca mais”) – por volta dos 4 ou 5 anos

2. universalidade ( a morte atinge todos, incluindo o próprio) – por volta dos 5 ou 6 anos

3. desconhecimento do após a morte – adquirida muito mais tarde; nem sempre adquirida, pois contra esta aquisição ‘lutam’ diversos sistemas religiosos e filosóficos. O componente de ansiedade e mistério decorrem desta noção.

Afectivamente, não se pode subdividir a aquisição do conceito de morte por etapas. Neste campo a noção encontra-se relacionada com a questão da ausência, que por sua vez "pode ser abordada na perspectiva  ansiedade de castração e da perda do objecto (...)" (Golse,1985)

O autor faz uma análise crítica entre a ansiedade de morte e a ansiedade em adormecer, muitas vezes equiparadas entre si: "(...) a ansiedade de morte e a ansiedade de adormecer - tão frequentemente comparados - parecem-nos, de facto, diametralmente opostas". A ansiedade de morte liga-se com a estranheza da continuidade do outro apesar do desaparecimento de si próprio. A ansiedade em adormecer baseia-se no temor do desaparecimento do outro durante a ausência de si." (Golse,1985).

Nos primeiros meses de vida a criança vive a ausência da mãe como 'mortes', ao sentir-se só e desamparada (Kovács,1992). Este impacta inicial vai determinar, até certo ponto, a relação futura com o tema da morte, do desaparecimento, os lutos, o que são as perdas, a separação; ou seja, como são vividas as sensações de aniquilamento e desamparo.

As perdas 'parciais' sofridas  ao longo do seu desenvolvimento remontam a momentos precoces da existência e vão-se, naturalmente, sucedendo o nascimento, o desmame, a renúncia ao 'projecto' edipiano, etc, subsidiando o inevitável encarar psicológico da ideia de morte.

Para Golse (1985), independentemente do vértex de observação (afectiva, intelectual, dupla vertente) a aquisição da noção de morte relaciiona-se com uma aceitação de uma perda de objecto definitiva.                      

Imagem: "The death mother" de Edward Munch

08 setembro, 2009

A universalidade da Morte

A noção de morte é recorrente na vida das pessoas, das sociedades. Estende-se do nascimento, da sexualidade, envelhecimento, doença e até à aprendizagem social e aos rituais quotidianos - como actos de troca e relações sociais que põem fim ao real, que o dissolvem e que o opõem ao imaginário. Assim sendo, o simbolismo transitivo com que tratamos a morte é o inverso do princípio da realidade (Baudrillard, 1976).

Apesar da universalidade do fenómeno existem formas diversas de o pensar: uma pluralidade da ideia de morte. Numa coisa, porém, permanece universal: em qualquer lugar e tempo é definida e entendida "(...) em relação opositiva: morte e vida negam-se posicionalmente, afirmam.se relacionalmente." (Ramos, 1987). Como explica este autor, tal oposição é o material sobre o qual se ergue a noção de persona; ou seja, a identificação do Eu, vivo e cultural é feita em relação com os seus opostos: o não-eu, o morto.

Na nossa civilização, foi a morte e ressurreição de Cristo que instaurou a possibilidade de vida eterna (Ariès, 1977), assim como o compromisso do cristão em encarar a morte como um novo nascimento.

Mas, como veremos, o morto é o outro. Não admitimos, em termos inconscientes e sem a ajuda desse outro ( e da sua finitude) a nossa própria morte. Clivamos de forma bastante eficiente as duas faces da moeda de existir. Como escreveu João dos Santos (2000): "(...) quando as pessoas falam da morte referem-se, alguns, à angústia que lhes provoca o seu mistério, outros falam da única morte real que conhecem, a dos outros".

Baudrillard (1976) afirma que o fantasma contínuo da morte é o preço que temos que pagar pela realidade da vida como algo com valor positivo; sendo que a morte é o nosso imaginário