14 março, 2010
A mosca
"Na literatura a mosca é o insecto familiar símbolo do ridículo e do irritante. Menos repugnante do que a aranha, menos atraente do que a borboleta, encarna a agitação, o irrisório e o inútil. Pior, prejudica a atenção. Para Montaigne, o seu zumbido «assassina» a actividade do espírito. Para Pascal, «põe em cheque a razão». Além disso, a sua marcada preferência por detritos, pela podridão e por excrementos faz dela um objecto repugnante.
Somente na ciência é que a nossa mosca conseguiu transformar-se em vedeta. Não apenas na genética, mas também na embriologia, uma vez mais de maneira totalmente imprevisível. A embriologia permaneceu durante muito tempo uma disciplina fechada, poder-se-ia quase dizer, um território regido por um conjunto de tribos, cada uma delas dedicada ao seu organismo favorito. Um embrião do ouriço-do-mar não se assemelha ao da rã, do ratinho ou da mosca. O desenvolvimento de cada um deles pode decorrer de mecanismos que, a priori, nada têm a ver uns com os outros. Uma vez compreendido, nas suas linhas gerais, o desenvolvimento embrionário da mosca e referenciados os genes em questão, o espanto foi constatar que os mesmos genes se encontram com funções aparentadas nos organismos mais diversos. O desenvolvimento de todos os embriões parece sustentado por princípios comuns. A mosca torna-se então uma espécie de modelo privilegiado. Hoje em dia, se podemos progredir no estudo do ratinho e do homem, devemo-lo à mosca."
Excerto do livro "O ratinho,a mosca e o homem" de François Jacob
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